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A questão do acesso à justiça após a reforma trabalhista

Por Otávio Pinto e Silva


A questão do acesso à justiça sofreu substanciais alterações com a chamada “reforma trabalhista” (aprovada em meio a uma grave crise política e econômica, após o impeachment da Presidente Dilma Roussef), tendo trazido expressiva repercussão na diminuição do número de casos novos ajuizados perante a Justiça do Trabalho nos anos subsequentes.


Merecem especial referência os temas das custas processuais e dos honorários advocatícios e periciais, que de acordo com a nova legislação podem ser exigidos até mesmo do beneficiário de justiça gratuita.


O artigo 790, §3º da CLT facultou aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Abandonou-se, assim, o critério anterior, que aludia a “salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal”.


Já o §4º do mesmo artigo 790 consolidado passou a exigir, para a concessão do benefício da justiça gratuita, a comprovação da insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo (quando o texto anterior se limitava a impor a apresentação de declaração, sob as penas da lei, de que o trabalhador não estava em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família).


O art. 790-B da CLT passou a ter nova redação, estabelecendo que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita.


Já o § 4o do mesmo artigo prevê que somente no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa referida no caput, ainda que em outro processo, a União responderá pelo encargo.


A Lei 13.467/17 introduziu no processo do trabalho também a responsabilidade pelo pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, impondo-os até mesmo aos beneficiários da justiça gratuita (o que gerou muitas críticas, além de questionamentos quanto à inconstitucionalidade da novidade).


Nesse sentido, o artigo art. 791-A da CLT prevê que ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.


Ao fixar os honorários, o juízo deverá observar: I – o grau de zelo do profissional; II – o lugar de prestação do serviço; III – a natureza e a importância da causa; IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.


A ideia de impor à parte vencida o ônus de pagar os honorários advocatícios em favor do patrono da parte vencedora pode até ser saudada como benéfica por assegurar ao trabalhador o recebimento integral de seu crédito, sem a necessidade de sacrificar parte dos rendimentos para remunerar o trabalho de seu advogado.


Mas o ponto a questionar é a repercussão que essa norma pode gerar quando à garantia fundamental de acesso à justiça, em especial quando se fala do trabalhador com insuficiência de recursos e, portanto, beneficiário do direito constitucional de assistência jurídica integral e gratuita (artigo 5º, inciso LXXIV, CF).


O §4º do art. 791-A passou a prever que se o beneficiário da justiça gratuita for vencido, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa.


Essas obrigações somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade. Desse modo, tais obrigações do beneficiário se extinguem após passado esse prazo.


Outro dispositivo polêmico trazido pela reforma trabalhista foi a previsão de pagamento de custas processuais pelo reclamante, na hipótese de sua ausência à audiência que leve ao arquivamento da reclamação trabalhista (§2º do artigo 844 da CLT).


Nesse caso, a norma prevê que o reclamante será condenado ao pagamento das custas (calculadas na forma do artigo 789 da Consolidação), ainda que beneficiário da justiça gratuita, salvo se comprovar, no prazo de quinze dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável.


De acordo ainda com o §3º do referido artigo 844 da CLT, o pagamento das custas a que se refere o §2º passa a ser condição para a propositura de nova demanda.


Assim, deve o juiz, em caso de ausência injustificada do reclamante, que leve ao arquivamento da ação, abrir prazo de quinze dias para a apresentação de justificativa, sendo cabível a condenação no pagamento de custas apenas se esta não for apresentada. Sendo o reclamante beneficiário de justiça gratuita, no entanto, fica a dúvida: poderia o juiz condená-lo no pagamento dessas custas?


O então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) em agosto de 2017: trata-se da ADI 5766, fundamentada no entendimento de que as alterações introduzidas na CLT impõem “restrições inconstitucionais à garantia de gratuidade judiciária aos que comprovem insuficiência de recursos, na Justiça do Trabalho”.


Segundo a tese defendida pelo procurador, as normas violam as garantias constitucionais de amplo acesso à jurisdição e a assistência judiciária integral aos necessitados.


A ADI requer a declaração de inconstitucionalidade do artigo 790-B da CLT (caput e parágrafo 4º), que responsabiliza a parte sucumbente pelo pagamento de honorários periciais, ainda que beneficiária da justiça gratuita. Na redação anterior da norma, os beneficiários da justiça gratuita estavam isentos; mas com a nova redação, a União somente custeará a perícia quando o beneficiário não tiver auferido créditos capazes de suportar a despesa, “ainda que em outro processo”. Assinala que o CPC/15 não deixa dúvida de que a gratuidade judiciária abrange custas, despesas processuais e honorários advocatícios.


O procurador geral também o impugnou o artigo 791-A, que considera devidos honorários advocatícios de sucumbência por beneficiário de justiça gratuita, sempre que tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa. A seu ver, a gratuidade judiciária ao trabalhador pobre equivale à garantia inerente ao mínimo existencial compatível com o princípio constitucional da dignidade humana (artigo 1º, inciso III, CF), de modo que ao pleitear na Justiça do Trabalho o adimplemento de direitos trabalhistas, os trabalhadores com baixo padrão salarial buscam satisfazer prestações materiais indispensáveis à sua sobrevivência e à da família.


A ação ainda questiona o dispositivo que responsabiliza o beneficiário da justiça gratuita pelo pagamento de custas caso o processo seja arquivado em razão de sua falta à audiência, até como condição para ajuizar nova demanda (artigo 844, parágrafo 2º), sustentando que o novo CPC, ao tratar da extinção do processo sem julgamento de mérito, atribui ao demandante desistente responsabilidade pelo pagamento de custas e despesas processuais proporcionais, mas não imputa essa responsabilidade ao beneficiário da justiça gratuita.


Em 10.5.2018 o STF iniciou o julgamento com a apresentação do voto do Ministro Luis Roberto Barroso (Relator), que propôs declarar parcialmente procedente a ação direta de inconstitucionalidade, para assentar interpretação conforme a Constituição, consubstanciada nas seguintes teses:


1. O direito à gratuidade de justiça pode ser regulado de forma a desincentivar a litigância abusiva, inclusive por meio da cobrança de custas e de honorários a seus beneficiários.


2. A cobrança de honorários sucumbenciais do hipossuficiente poderá incidir: (i) sobre verbas não alimentares, a exemplo de indenizações por danos morais, em sua integralidade; e (ii) sobre o percentual de até 30% do valor que exceder ao teto do Regime Geral de Previdência Social, mesmo quando pertinente a verbas remuneratórias.


3. É legítima a cobrança de custas judiciais, em razão da ausência do reclamante à audiência, mediante prévia intimação pessoal para que tenha a oportunidade de justificar o não comparecimento.


Na sequência, o Ministro Edson Fachin proferiu seu voto para declarar a ineficácia dos dispositivos impugnados em razão da integral procedência da ação, quando então o julgamento foi suspenso em razão do pedido de vista dos autos apresentado pelo Ministro Luiz Fux, que até o momento ainda não apresentou o seu voto


Sob a perspectiva de acesso à Justiça, portanto, pode-se concluir que a introdução da obrigação de pagamento de custas processuais, honorários periciais e de sucumbência mesmo em relação ao beneficiário de justiça gratuita se mostra bastante prejudicial aos trabalhadores, sendo compreensível o receio destes em propor uma reclamação trabalhista quando houver dúvida sobre a capacidade de produção das provas dos fatos alegados, ou mesmo sobre a própria existência do direito (em casos que dependam de prova técnica, tais como os que debatem a existência de periculosidade ou insalubridade e os que demandam possíveis indenizações decorrentes de doenças profissionais e acidentes de trabalho).


Nesse contexto, assim, mostra-se aconselhável a revisão das normas inseridas na CLT em 2017, seja pelo STF (na ADI em tramitação), seja pelo próprio Congresso Nacional, para afastar obstáculos de acesso à justiça em relação ao trabalhador e assegurar o cumprimento do comando constitucional que prevê a “assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (art. 5º, inciso LXXIV, CF).


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Otávio Pinto e Silva é Advogado e Professor Livre Docente pela Faculdade de Direito da USP. É presidente da Abrat (Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas) e titular da cadeira nº 9 da Academia Paulista de Direito do Trabalho – APDT, que tem como patrono Pedro Vidal Neto.


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Os artigos assinados e notícias reproduzidas com respectivas fontes não representam posições da Academia Paulista de Direito do Trabalho, refletindo a diversidade de visões relevantes abrangidas pelo tema e pela APDT.

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