Por Almir Pazzianotto Pinto, em 10/09/2021, no portal Os Divergentes
As manifestações de 7 de Setembro exigem a leitura de três obras fundamentais. Refiro-me aos livros A Rebelião das Massas, de Ortega y Gasset; à Psicologia das Multidões, de Gustave Le Bom; e à Psicologia das Massas, de Sigmund Freud.
Ao invés de festejarmos o Dia da Independência, assistimos comportamentos irracionais, por não expressarem a razão de cada um. Perdida a individualidade e a razão, as pessoas se transformam em massa, manada ou multidão, dominadas por fenômeno a que a psicologia das massas dá o nome de alma coletiva. Conforme escreveu Le Bon, “quaisquer que sejam os indivíduos que a compõem, por mais semelhantes ou dessemelhantes que possam ser seu tipo de vida, suas ocupações, seu caráter ou sua inteligência, o mero fato de haverem se transformado em multidão os dota de uma espécie de alma coletiva. Essa alma os faz sentir, pensar e agir de um modo completamente diferente daquele como sentiria, pensaria e agiria cada um deles isoladamente” (Ed. Martins Fontes, SP, 2008, pág. 32).
Gustave Le Bom
Prossegue Le Bom: “…no agregado constitutivo de uma multidão não há, de modo algum, soma e média dos elementos, mas combinação e criação de novas características. Como na química. Alguns elementos postos juntos, as bases e os ácidos por exemplo, combinam-se para formar um novo corpo dotado de propriedades diferentes daquelas dos corpos que serviram para constituí-lo”.
Procurando interpretar o pensamento de Le Bom, escreveu Sigmund Freud: “Le Bom acredita que na multidão se confundem as características individuais, desaparecendo assim a personalidade de cada um dos que a integram. O inconsciente social emerge em primeiro lugar e o heterogêneo se funde com o homogêneo. Diremos, portanto, que a superestrutura psíquica, tão desenvolvida em cada indivíduo, fica destruída, surgindo desnuda a uniforme base inconsciente comum a todos” (Aliança Editorial, Madri, 1970, pág. 13, tradução livre).
Por não ser conduzida pela razão, a massa é bárbara, volúvel, perigosa. Para melhor entendê-la tomo como exemplos jogos de futebol entre equipes marcadas por acirrada rivalidade. Para a proteção do árbitro, auxiliares e jogadores adversários, o gramado é cercado por fossos e alambrados, proíbe-se o ingresso com bastões, latas e garrafas de cerveja ou refrigerante. O policiamento é reforçado. Ainda assim violentas batalhas são travadas entre massas ignaras, antes, durante ou após o jogo, com pessoas mortas, feridas e instalações públicas e privadas depredadas.
A História nos revela o domínio das massas por demagogos e sociopatas, dos quais bom exemplo foi Adolf Hitler. A evoluída nação alemã, derrotada na primeira grande guerra (1914-1918) e reduzida à miséria pelo Tratado de Versalhes, foi conduzida à catástrofe da segunda guerra mundial (1939-1945) pelo tresloucado cabo austríaco, até ser vencida e arrasada.
Quem duvidar leia A República de Weimar (1919-1933), do historiador Lionel Richard (Ed. Companhia das Letras, SP, 1988) e, em especial o anexo “As referências cronológicas”, que vão da entrada dos Estados Unidos na primeira guerra em 1917, até a tomada do poder por Hitler, em 27 de março de 1933.
No Estado Democrático de Direito a consulta ao povo não é feita em comícios com a arregimentação das massas. Acontece periodicamente em eleições disciplinadas por normas constitucionais e legais, disputadas por candidatos indicados pelos respectivos partidos. A supervisão é entregue ao Poder Judiciário, que age por meio do Tribunal Superior Eleitoral.
O eleitor deve ser convencido e não intimidado e coagido. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal, direto e secreto, com igual valor para todos (CF, Art. 14). As Forças Armadas se manterão distantes. O mesmo fará a Polícia Militar dos Estados, aquartelada para garantir a ordem pública e assegurar que o pleito se desenrole sem violência.
A transformação do Dia de Independência em data de confronto foi manobra tática do capitão paraquedista. Usou a massa para impugnar por antecipação os resultados das eleições de 2022, na hipótese de ser derrotado. Com frases delirantes agrediu o Supremo Tribunal Federal na pessoa ministro Alexandre Moraes, cuja posição exige que permaneça em silêncio. Para quem não sabe, o ministro recebe e dá seguimento, mediante despacho fundamentado, a notícias crimes formuladas por órgão do Ministério Público da União, no exercício de função prevista no Art. 129 da Lei Fundamental.
Desfeitos os comícios e dissolvidas as massas, pouco a pouco as pessoas irão recuperar a verdadeira personalidade. Voltarão a sentir os efeitos da crise responsável pelo recrudescimento da inflação, do aumento do custo de vida, do desemprego, da desindustrialização, da expansão da pandemia, do empobrecimento da classe média e da miséria de 50 milhões de brasileiros.
Deus é justo. Em 2022 a democracia prevalecerá sobre a barbárie.
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Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Membro da APDT, ocupante da cadeira nº 1.
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