Ao tratar do tema da indenização por dano moral, é importante lembrar a longa trajetória do instituto do patrimônio imaterial na doutrina e na jurisprudência, a fim de refletir sobre a longa trajetória, desde o reconhecimento da existência do dano de natureza não patrimonial até a aceitação da possibilidade de sua quantificação e do direito à sua reparação.
Desde a postura do Supremo Tribunal Federal, há mais de 50 anos, no sentido de que não se podia quantificar o sofrimento das pessoas e, portanto, não era possível arbitrar uma indenização por dano moral, até os dias de hoje, em que se reconhece o direito do ofendido de receber indenização por dano material e imaterial, eventualmente pela prática de um só ato ilícito que venha a ofender a vítima material e moralmente, gerando o direito a duas reparações.
A propósito do tema, o Tribunal Superior do Trabalho, cuja missão não é o exame de fatos, mas, sim, a aplicação do Direito diante dos fatos provados nos autos, admite não só a possibilidade de reconhecer ou não a ocorrência do dano moral, como igualmente a possibilidade de rever o valor arbitrado a título de indenização, quando este se mostrar muito defasado dos limites do critério legal, gerando ofensa à lei.
Vejamos a ementa de recente acórdão da 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, da relatoria da ministra Delaíde Miranda Arantes, (RR-TST-RR-1000552-20.2018.5.02.0071), em sessão de julgamento de 28/10/2020, que assim deliberou:
"2 - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRANSPORTE DE MERCADORIAS E VALORES. ASSALTOS REITERADOS SOFRIDOS PELO RECLAMANTE. QUANTUM INDENIZATÓRIO. MAJORAÇÃO. No caso dos autos, depreende-se do acórdão do Tribunal Regional que o reclamante realizava transporte de mercadorias e valores para a reclamada, tendo sofrido diversos assaltos no desempenho de suas funções, sem que nenhuma providência fosse tomada pela ré. A jurisprudência desta Corte admite rever o valor fixado nas instâncias ordinárias a título de indenização por danos morais. Contudo, a majoração ou redução do quantum indenizatório só é possível nas hipóteses em que o montante fixado na origem se mostra fora dos padrões da proporcionalidade e da razoabilidade, visando a reprimir apenas as quantificações estratosféricas ou excessivamente módicas, sendo exatamente esta a hipótese dos autos. In casu, deve-se considerar o elevado porte econômico da reclamada, a gravidade do dano e o expressivo número de assaltos ocorridos (6 assaltos sofridos pelo autor entre 2009 e 2012, conforme destacado pelo acórdão regional), o grau de reprovação da conduta patronal (negligência da ré em adotar medidas que pudessem evitar tais ocorrências), bem como o caráter pedagógico e preventivo da medida, deve representar um valor significativo, capaz de convencer o infrator a não reincidir em sua conduta ilícita. Assim, o quantum indenizatório a título de danos morais deve ser majorado para R$ 30.000,00 (trinta mil reais), valor proporcional aos danos sofridos pelo autor e condizente com o quantum arbitrado por esta Corte Superior em casos análogos de dano moral decorrente de reiterados assaltos sofridos pelo empregado no transporte de mercadorias ou valores. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido".
Verificamos pela ementa do acórdão transcrito que a possibilidade de exame pela corte superior pressupõe a prova dos fatos pelas instâncias inferiores, cabendo-lhe a aplicação do direito.
E, nesse mister, inclui-se a viabilidade do recurso de revista com o objetivo de revisão do valor arbitrado, por eventual ofensa ao artigo 944 do Código Civil, que assim dispõe:
"Artigo 944 — O valor da indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização".
A doutrina e a jurisprudência reconhecem que para a correta adequação do valor da indenização devida diante do ato ilícito praticado, é possível a instância revisora aumentar ou reduzir o valor dessa indenização, moldando-a à extensão do dano a que se refere a lei.
Logo após o advento do atual Código Civil houve ao menos uma tentativa sem sucesso de tarifação do dano moral, fixando percentuais fixos para cada hipótese de dano ocorrido, por meio de projeto de lei que, felizmente, foi abandonado pelo Poder Legislativo.
E assim acreditamos porque a tarifação pretendida revelava-se inadequada ao cumprimento das finalidades da condenação no pagamento de indenização por dano moral.
Com efeito, a indenização destina-se a reparar ao menos parcialmente o prejuízo sofrido pela vítima, à luz do mandamento do artigo 5º, X, da Constituição Federal, na ofensa a sua intimidade, vida privada, honra ou imagem.
Além desse fim, objetiva a condenação impor ônus ao ofensor, fazendo-o sentir o efeito em seu patrimônio do ato ilícito praticado. E igualmente cumpre a condenação no pagamento da indenização uma finalidade pedagógica, que é mostrar ao agressor que seu ato é nocivo socialmente, e não deve ser repetido.
Verifica-se, então, que para o cumprimento das várias finalidades a que se destina o pagamento da indenização não se pode tarifá-la, pois seu valor deverá ser adequado em cada caso à gravidade da falta cometida, à condição da vítima e do ofensor, e da função pedagógica, que se alcança quando aqueles que têm função diretiva ficam cientes do ocorrido.
Em relação ao ofensor, sendo a empresa, o valor fixado deverá ser um montante que leve ao conhecimento da direção, evitando que as instâncias inferiores soneguem o conhecimento do ato ilícito ao empregador. Eis aí um requisito a observar, a fim de que a condenação cumpra sua função pedagógica, de que anteriormente cogitamos. O objetivo maior da condenação é evitar que o comportamento socialmente indesejado não seja reiterado.
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Pedro Paulo Teixeira Manus é ministro aposentado do Tribunal Superior do Trabalho, professor e diretor da Faculdade de Direito da PUC-SP, titular da cadeira nº 35 da Academia Paulista de Direito do Trabalho = APDT. Artigo publicado na
Revista Consultor Jurídico, 12 de fevereiro de 2021.
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