Gilda Figueiredo Ferraz de Andrade
Cabe, portanto, a toda a sociedade, incluindo o governo, a academia, os movimentos sociais e as organizações civis, trabalharem em conjunto para enfrentar os desafios e construir um futuro mais justo e igualitário para todos, sendo relevante e definidor o papel do Estado.
"A cor é neutra; é a mente que lhe dá significado".
Roger Bastide
1. Introdução: Gaps de gênero e etnia-raça
Inicialmente, é preciso conhecer as condições da mulher e do negro no mercado de trabalho brasileiro e analisar alguns dados sobre gênero e raça, uma vez que a presença desses dois grupos sub-representações vem crescendo, mas sofreu um recuo com a pandemia da Covid-19, registrado pelas pesquisas relativas a pessoas economicamente ativas. Para dar um quadro mais atualizado, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do 2º trimestre de 2022, revelou que o país tem 98,2 milhões pessoas ocupadas, sendo 21,9 milhões de mulheres negras, 20,1 milhões de mulheres não negras e 31,3 milhões de homens negros e 24,8 milhões homens não negros.1
A despeito de as mulheres terem obtido ampliação de direitos e jornadas de trabalho mais flexíveis, sua participação no mercado de trabalho é inferior à dos homens. Segundo o FGV/IBRE, a taxa de participação das mulheres na força de trabalho tem sido historicamente inferior à masculina. A taxa de participação feminina, levando em conta mulheres economicamente ativas e em idade de trabalhar, estava em 34,8% em 1990 e subiu para 54,3% em 2019, ficando a média anual, em 2021, no patamar 51,6%. A taxa de participação da força de trabalho masculina foi de 71,6%2.
De acordo com o estudo, as limitações ao avanço da participação feminina no mercado de trabalho brasileiro passam por muitos obstáculos, como papéis de gênero, dificuldades em conciliar dupla jornada (profissional e doméstica), que é agravada com o nascimento de filho(s) e ampliação das tarefas de casa, uma vez que no Brasil, o trabalho doméstico não é remunerado. Portanto, a maternidade ainda é um gap para a participação da mulher na força de trabalho.
A população negra brasileira sofre igualmente com desafios para encontrar maior inserção no mercado de trabalho, cuja exclusão fica visível diante do número de trabalhadores formais negros dentro das empresas, nas diferenças salariais e nos postos de liderança quando comparado aos não negros. Sempre há discrepâncias favorecendo os não negros, uma realidade que só pode ser revertida com a mudança nas políticas públicas e políticas corporativas, voltada às ações afirmativas, diversidade e inclusão.
2. Papel do Estado
As ações afirmativas para gênero e raça surgiram na década de 1960 nos Estados Unidos no bojo da luta pelos direitos civis e na busca da correção das desigualdades do passado e empoderando da efetiva igualdade de todos os cidadãos no presente, independente da etnia, gênero, orientação sexual, religião, origem etc. Há quem afirme que mulheres e negros não estariam nas posições em que estão se não fosse pelas ações afirmativas existentes, por mais competência que apresentassem em seus currículos.
O Estado brasileiro pode promover uma série de estratégias institucionais, como vem fazendo os Estados Unidos e União Europeia, ao estabelecer diretrizes sobre igualdade de oportunidades no emprego, buscando eliminar preconceitos e ampliando os benefícios da diversidade e inclusão de trabalhadores, a despeito das resistências e defesa do mérito.
A desigualdade de gênero e etnia surge em várias frentes e no Estado brasileiro tem forte presença nas relações laborais, podendo estruturar políticas públicas e programas para promover maior igualdade para mulheres e negros. Na presente década, publicação da Organização Internacional do trabalho evidenciou:
uma maior disposição do Estado para atuar sobre as desigualdades existentes e para reconhecer a desigualdade de gênero (ao lado da desigualdade racial) como eixos estruturantes dos padrões de desigualdade social no Brasil, chamando para si a responsabilidade de elaborar políticas públicas voltadas à sua superação, contribuindo assim também para delimitar melhor os diferentes papéis do governo, do Estado e dos movimentos sociais na promoção da igualdade de gênero3.
A promoção da igualdade de gênero é uma pauta de relevância inquestionável na atualidade e, no contexto brasileiro, as últimas décadas foram marcadas por importantes avanços na elaboração de políticas públicas que visam reduzir as disparidades de gênero existentes, especialmente no mercado de trabalho.
Nesse sentido, a intervenção estatal tem sido fundamental, ao reconhecer a desigualdade de gênero, juntamente com a desigualdade racial, como eixos estruturantes dos padrões de desigualdade social no país e assumir a responsabilidade pela implementação de ações voltadas à sua superação.
Há diversos obstáculos que impedem a concretização plena dos direitos das mulheres e de outras pessoas que sofrem com a discriminação e a violência de gênero e de cor e raça, dentre eles a falta de educação e de conscientização da sociedade a respeito da existência concreta desses problemas e de quais são as possíveis soluções de transformação, daí a importância do papel do Estado para o estabelecimento de políticas públicas específicas e efetivas voltadas para a proteção das vítimas e para a promoção da igualdade de oportunidades.
Cabe, portanto, a toda a sociedade, incluindo o governo, a academia, os movimentos sociais e as organizações civis, trabalharem em conjunto para enfrentar os desafios e construir um futuro mais justo e igualitário para todos, sendo relevante e definidor o papel do Estado.
Texto originalmente publicado no site www.migalhas.com.br
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