Manifestação no evento de posse da diretoria da APDT, em 18/05/2021
Por Almir Pazzianotto Pinto
Presidente Dr. Antônio Carlos, receba as homenagens deste admirador e amigo no momento da posse como presidente da Academia Paulista de Direito do Trabalho.
Saúdo com idêntica admiração os demais integrantes da nova diretoria e agradeço, como fundador deste sodalício, à diretoria presidida pela Dra. Regina Duarte, pelo desempenho em trabalhosos anos de mandato.
Cumprimento o Ministro Alexandre Agra Belmont, presidente da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, que nos honra com a sua presença.
A palavra Academia vem do grego Akadémeia, “um bosque de oliveiras nas proximidades de Atenas, adjacente ao rio Céfisos, consagrado ao herói Academus, onde havia um ginásio, local em que meninos e homens se exercitavam nus, como parte essencial da educação grega. No bosque ensinavam Platão e seus discípulos e sua escola de filosofia tornou-se conhecida como Academia.
No Brasil o apreço pelas atividades acadêmicas data do século XVIII. Em 1724 funda-se a Academia dos Esquecidos, como reação ao exclusivismo das academias lusitanas, seguida pela fundação da Academia dos Felizes em 1752 e da Academia dos Seletos em 1786.
A Academia Francesa com 40 membros, iniciada em 1626 por pequeno grupo de intelectuais e oficializada por Richelieu em 1635, serviu de modelo para entidades congêneres espalhadas pelo mundo, como é o caso da Academia Brasileira de Letras.
Elegi, como tema da palestra, o problema do desemprego e como poderemos enfrentá-lo.
Em quase todo o mundo o mercado de trabalho sofre de perversa contradição: ao mesmo tempo em que a sociedade se vê diante da necessidade da geração de milhões de empregos, outros tantos milhões são dizimados por irresistível avanço da informatização, da robotização, da inteligência artificial.
O problema ganhou corpo na década de 1970, quando surgem os primeiros escritores preocupados com o destino dos empregados. É vasta a bibliografia sobre o assunto. Cito, entre os mais difundidos, Administração em Tempos Turbulentos, de Peter F. Drucker; A Informatização da Sociedade, de Simon Nora e Alain Minc; O Fim dos Empregos, de Jeremy Rifkin; O Horror Econômico, de Viviane Forrester; Europa, de Zygmunt Bauman; Um Mundo sem Empregos, de William Bridges; A Sociedade Pós Industrial e o Ócio Criativo de Domênico De Masi.
O setor mais afetado é o operariado. Sobre ele escreveu Peter Drucker, em capítulo que descreve a ascensão e o declínio da classe operária: “E de repente, tudo acabou. Também não existe paralelo na história para o abrupto declínio do operário durante os últimos 25 anos” (Administrando para o Futuro, Ed. Pioneira, 1992, pág. 84).
Os números sobre o desemprego no Brasil são assustadores. Abstenho-me de reproduzi-los. A culpa recai, mas apenas em parte, sobre pandemia do coronavírus. Registro, entretanto, que a taxa, que era de 11,6% no início de 2021, saltou para 14,4% no primeiro trimestre deste ano. “Em um ano 8.126 milhões de trabalhadores perderam seus empregos” (O Estado, 1/4, pág. B6).
O desemprego
“Desemprego é fato real e duradouro,” escreveu o economista Alan S. Blinder. Não é fenômeno da natureza, mas resultado de maus governos, de planejamentos errados, de instituições arcaicas ou inadequadas.
Antes de tratarmos do remédio façamos, porém, breve diagnóstico de como se encontra o mercado de trabalho e como poderá ficar quando conseguirmos deter o avanço do coronavírus.
Em 2019 a Organização Internacional do Trabalho (OIT) acusou a existência de 190,5 milhões de desempregados em todo o planeta. São dados anteriores a 2019. A mesma OIT alertou para o fato de que quase 61% da força de trabalho mundial realiza trabalhos informais e mal remunerados, ou que proporcionam pouco ou nenhum acesso à proteção social e aos direitos trabalhistas.
Prossegue a OIT registrando que 630 milhões – uma em cada quatro pessoas – vivem em condições de extrema ou moderada pobreza, definida por ganhos de US$ 3,30 diários, algo em torno de R$ 13,00.
O Brasil é a reprodução em menor escala do panorama descrito por Gui Ríder, Diretor Geral da Organização Internacional do Trabalho.
A crise econômica, que se arrasta desde a década de 1980, com breves intervalos de crescimento, antecede a pandemia.
Foi determinante para a queda de Dilma Roussef.
Doze meses de pandemia agravaram a desindustrialização, afetaram o comércio e o setor de serviços, contribuindo de maneira poderosa para a redução brutal de postos de trabalho.
Segundo o IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a População Economicamente Ativa (PEA) é de 177 milhões, em 210 milhões de habitantes.
A taxa de desemprego subiu para 14,4% no trimestre até fevereiro, ante 14,1% no trimestre anterior. O maior contingente desde 2012, quando teve início a série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua.
O IBGE considera desempregadas as pessoas com idade para trabalhar – acima de 14 anos – que não estão trabalhando, mas permanecem disponíveis e tentam encontrar trabalho.
No mercado formal temos algo em torno de 29,8 milhões, com Carteira de Trabalho assinada. Sem Carteira assinada seriam 9,8 milhões. Por conta própria trabalham 23,5 milhões, segundo dados de 2019.
Os desalentados, que deixaram de procurar emprego, são da ordem de 6 milhões.
Na informalidade se encontram 34,1 milhões ou 39,7% da população ocupada.
Engenheiros, advogados, contadores, eletricistas, garçons, operários, comerciários, bancários, motoristas, cobradores, barbeiros, manicures, cabelereiras, desistiram de buscar emprego e lutam para sobreviver como autônomos, na informalidade.
Fatores Determinantes do Desemprego
Para que o desemprego aconteça em tão alta porcentagem, outros fatores concorrem, além do Covid-19.
Tentarei identificá-los.
De início considere-se o acelerado crescimento da população, que exige a abertura de mais de 1,2 milhão de vagas no mercado de trabalho, por ano. Em 1817 éramos 10 milhões, número que saltou para 17,4 milhões em 1900; 93 milhões em 1970; 166,7 milhões em 2000 e hoje está acima dos 210 milhões.
Prejudicado pela lentidão e descontinuidade, o desenvolvimento econômico se revelou incapaz de acompanhar o aumento demográfico e gerar o número correspondente de empregos.
A seguir viria a globalização, responsável pelo desaparecimento dos fatores espaço e tempo. Países longínquos, como a China, a Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura, Tailândia, se tornaram nossos vizinhos.
O ingresso da China no cenário internacional, há pouco mais de 30 anos, alterou a geopolítica e o precário equilíbrio mundial.
Colocou no mercado milhares de produtos industrializados a preços competitivos e mais de 500 milhões de trabalhadores disciplinados. O Japão era velho parceiro, desde o final da segunda Guerra Mundial.
O Oriente desconhece código ou Consolidação das Leis do Trabalho e não revela interesse em adotá-la. O custo final da mão-de-obra é mais barato.
O mercado goza de relativa liberdade e consegue proporcionar emprego e satisfatórias condições de vida aos trabalhadores. Os índices de desemprego são inferiores aos do Brasil. Na China, 5%; em Cingapura, 2,5%, no Japão, 2,3%, na Tailândia, 1%.
Aponto, em seguida, como fator de desemprego, o acelerado avanço da tecnologia.
Globalização, automação, telefonia celular, informatização, robotização, drones, inteligência artificial, são forças destruidoras de empregos, que agem no interior de economias lentas e atrasadas.
A Constituição de 1988 tentou conter o avanço da tecnologia. Incluiu no artigo 7º, que trata dos Direitos Sociais, o inciso XXVII, cujo texto garante a “proteção contra a automação na forma da lei”.
Trata-se de sesquipedal bobagem que faz lembrar o movimento luddista, contemporâneo da primeira Revolução Industrial, quando o artesanato doméstico foi substituído pela máquina a vapor, despertando violenta reação dos novos desocupados.
Seria como se procurássemos voltar ao corte braçal da cana de açúcar, à carroça como meio de transporte, à datilografia, ao Ford 29, à locomotiva à carvão, ao voto impresso.
Deter a automação recolocará o Brasil no início do século passado e decretará a quebra definitiva do sistema econômico.
Além da globalização e da informatização temos, como inibidor de geração de empregos, a insegurança jurídica.
O contrato de trabalho apresenta dois momentos cruciais: na admissão, quando o empregador deve anotar em 5 dias a Carteira de Trabalho e proceder ao registro (CLT, artigo 29).
O segundo, na dispensa por falta grave ou sem justa causa, disciplinada pelo artigo 477 da CLT e Súmula 330.
O empregador evita demitir por falta grave, para não se arriscar a responder a reclamação trabalhista.
A despedida sem justa causa lhe impõe, todavia, o pagamento imediato da indenização prevista no artigo 10, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Há mais de 33 anos o inciso I do artigo 7º, da Constituição, relativo à proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa, permanece à espera da lei complementar reguladora.
O recibo de quitação, homologado ou não, é documento pouco confiável.
Não bastasse, o Supremo Tribunal Federal deverá finalizar em breve o julgamento da ADI nº 1.625/1997, onde se questiona a constitucionalidade de decreto do presidente Fernando Henrique denunciando a Convenção 158 da OIT, por ele mesmo ratificada.
A ratificação permitirá ao empregado recorrer à Justiça do Trabalho para reverter a demissão.
No mundo globalizado e informatizado, caracterizado pela acirrada disputa de mercados, rígida legislação trabalhista pode operar como obstáculo à contratação formal de empregados.
Para contorná-lo o empregador não anota a CTPS. Sobretudo quando é micro ou pequeno empresário, onde se encontram as maiores porcentagens de ausência de registro. Pequenos prestadores de serviços não anotam a CTPS, pelo receio de fazê-lo. Empresas de maior porte preferem admitir empregados como acionistas minoritários.
Obra magistral de Getúlio Vargas, a CLT resultou do desejo de Getúlio Vargas provocar a “associação íntima entre trabalhismo e projeto de industrialização”.
Segundo Jacob Gorender, teórico marxista, Getúlio Vargas “acreditava no jogo de soma múltipla entre patrões e empregados, nas vantagens da colaboração de classes para ambos os lados”. “Assumiu o populismo como estadista e antecipou-se aos empresários de míope visão corporativa, recalcitrantes às inovações da legislação trabalhista. É conhecida a frase: “Estou querendo ajudar esses burgueses burros e eles não entendem” (O Combate nas Trevas, pág. 16).
Nas palavras da Exposição de Motivos ao presidente Getúlio Vargas, a Consolidação foi “um engenho de arquitetura jurídica”, “o diploma do idealismo excepcional do Brasil orientado pela clarividência genial de V. Exa.”. “A síntese das instituições políticas estabelecidas por V. Exa. desde o início do seu governo”.
Nas primeiras décadas de desenvolvimento industrial a CLT cumpriu o papel que dela se esperava. Contribuiu para o projeto de industrialização e ajudou a transformar o Brasil rural no Brasil urbano.
Conclusão
Sob a pressão do aumento da população, da globalização, da informatização, da robotização, das disputas econômicas, da judicialização de divergências natureza econômica ou jurídica e da pandemia, o modelo de idealismo populista se esgotou.
Em 2019, 4 em cada 10 trabalhadores ocupados estavam na informalidade. Segundo o IBGE, “a informalidade no mercado de trabalho brasileiro, de caráter estrutural, atingia 41,6% dos trabalhadores do país, ou 39,3 milhões de pessoas”. É maior nos estados menos desenvolvidos do Nordeste (61,6%) e menor no Sul onde estão as maiores indústrias. (29,1%).
A informalidade antecede a pandemia. Surge com a obrigatoriedade do registro em carteira e persiste, em alta porcentagem, até os dias atuais.
O Brasil ocupa posição secundaria no mercado internacional, com baixíssima participação no comércio exterior de produtos industrializados com alto valor agregado. É país inseguro para investimentos estrangeiros, revela o ranking da consultoria independente A.T. Kearny. Desde que o levantamento foi desenvolvido, em 1998, pela primeira vez deixou de integrar a relação de 25 países mais atraentes, encabeçada pelos Estados Unidos e encerrada pelo México. Nos últimos meses 11 multinacionais encerraram atividades no Brasil (Ford, Mercedez Benz, Sony, Cabify, Lafarge Holcim, LG, Roche, Forever 21, Audi, Wendy’s, Glovo – FSP, 9/5).
Diante desse quadro desfavorável, como incorporar ao mercado formal milhões que se encontram na informalidade?
Esta é a questão proposta aos ilustres acadêmicos brasileiros. Com o incremento da fiscalização? Com a elevação do valor das multas? Mediante decisões da Justiça do Trabalho em dissídios individuais? Ou atenuando as exigências constitucionais e legais, eis que medidas coercitivas nunca surtiram os resultados esperados.
A verdade é que micros, pequenos e médios empregadores não conseguem arcar com os ônus da formalização.
A cruel realidade impede a concretização do idealismo excepcional da CLT e do programa constitucional do pleno emprego. Não há como empregar e registrar mais de 39 milhões de trabalhadores informais, 14,4 milhões de desempregados e 6 milhões de desalentados.
Afinal, qual a prioridade? O registro em carteira ou o trabalho como empregado?
O Brasil é país pobre. Na linha da miséria sobrevivem 50 milhões de seres humanos, ou seja, 5 vezes a população de Portugal ou toda a população da Colômbia.
A pandemia dilatou e aprofundou a crise. No pós-pandemia a retomada econômica será lenta e insegura. São informações que recolho do IBGE. Endividado e desconfiado o empregador terá receio de contratar.
Para países em desenvolvimento a prioridade consiste na criação de empregos para as grandes massas de jovens, afirmava Peter Drucker na década de 80.
Como fazê-lo no curto prazo é o dilema que proponho aos integrantes da nossa Academia Paulista de Direito do Trabalho.
A sociedade necessita de respostas claras, convincentes, rápidas, factíveis. A Academia Paulista de Direito do Trabalho e a sua mãe, a Academia Brasileira, devem encarar o desafio. Afinal, acima de tudo está em causa a defesa da dignidade perdida pelo homem, quando deixa de encontrar trabalho e ingressa no rol dos desalentados ou irrelevantes.
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