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Foto do escritorAntonio Carlos Aguiar

Surge um novo profissional: desenvolvedor de jornadas no ecossistema trabalhista

“O homem vê, apalpa, saboreia e cheira, aquilo que precisa ver, ouvir, apalpar, saborear, cheirar, para conservar a sua vida” Rubem Alves [1]

O ano de 2022 foi muito agitado. Repleto de eventos, como: transição do período da Covid para o seu pós; máscaras; vacinas; trabalho presencial vs. trabalho remoto; discussões políticas calorosas; guerra; inflação; diversidade; inclusão; responsabilidade social; Copa do Mundo; eleições; empreendedorismo; coletivos sociais; fintechs de nicho; home office; fortalecimento sindical; nômades digitais; questões sobre trabalho e vida; greves; novas formas de trabalho; marcas digitais; clientes e trabalhadores offline; noholders; startups; meio ambiente; ética; sustentabilidade; metaverso; FNT; conflito geracional; criptomoedas; drones para entregas; precarização; plataformas; demissões nas Big Techs; quiet quitting ou demissão silenciosa; overemployed.

Enfim, a lista é longa.



O importante, contudo, e a essa altura, é ter clareza e saber até onde todas essas mudanças estão impactando o mundo do trabalho e seu ecossistema, uma vez que a sua geração de valor, por certo, não está exclusivamente subordinada a contratos de emprego do século passado.

Pensar diferente disso é ficar preso no tempo e num mundo que não existe mais, tal como ficou o tenente Onoda [2], que em dezembro de 1944 foi enviado à ilha Lugang, nas Filipinas, para lutar em defesa do Japão. E lá permaneceu por quase 30 anos, não reconhecendo o fim da guerra, chegando até ser declarado morto em 1959 no Japão, onde, para sobreviver, roubava arroz e bananas de moradores locais, e abatia vacas para obter carne.

O ano de 2022 apontou fortes discussões sobre representatividade dos stakeholders (trabalhadores e empresas).

A diversidade está na ordem do dia.

Várias empresas vêm se adaptando e criando formas de contratação apropriadas, não somente para dar amplitude à mudança e acessibilidade da coloração de seus colaboradores, mas, e principalmente, para respeitar sua identidade, com foco e precisão sobre categorias de diversidade: a) demográfica, que trata sobre a nossa identidade de origem (gênero, etnia, idade); b) cognição, a maneira como lidamos com as diferentes situações da vida; e c) experiência, a trajetória que molda os nossos aspectos emocionais e ajuda a definir nossas habilidades, hobbies e afinidades.

Dentro desse espectro, as empresas cada vez mais adotaram nesse ano políticas relacionadas ao ESG [3].

Verdade que 87% das empresas têm o desejo de ser reconhecidas por valorizar a diversidade, conforme pesquisa da OIT, mas apenas 60%, ainda, desenvolvem programas que preparam o ambiente para isso, de acordo com o mesmo estudo [4].

Todavia, a novidade está na ordem do dia.

E não para por aí. Para reter talentos, criam até benefícios como licença-pet e preservação de óvulos [5]. A Geração Z é exigente e tem propósitos próprios.

O status típico-exemplar do trabalhador (pré-pandemia) workaholic perdeu espaço. Foi substituído pelo soft-labor. Uma onda chamada de grande renúncia, grande negociação, desistência silenciosa ou grande reavaliação traduziu bem esse fenômeno — que gerou vários pedidos de demissão em massa —, no qual as pessoas optavam por uma vida mais saudável e menos estressante, ainda que, como contrapartida, tivessem remunerações inferiores, fato ocorrido mais fortemente nos Estados Unidos, mas que também chegou ao Brasil esse ano.

Ao mesmo tempo em que o home office se estabeleceu em 2022 e criou nichos fortes de atuação, como, em especial, os trabalhadores que prestam serviços de TI, surgiram novos modelos de trabalho offline.

Como, por exemplo, pode-se citar Petlove, uma marca nativa digital que está cada vez mais presente nas ruas. Neste ano (2022), o e-commerce especializado em pets abriu seis lojas físicas em São Paulo — e escolheu oferecer um serviço diferente dos varejistas. São lojas conceito, tipo boutique, com atendimento diferenciado. As lojas não possuem fila e caixa; os vendedores fazem o fechamento da compra do cliente em qualquer local da loja. Além da venda de produtos, a empresa oferece um ecossistema de serviços com parceiros — entre banho e tosa, venda de planos de saúde para pets, entre outros. As lojas físicas também se tornaram um ponto de encontro para os donos dos pets [6].

O ano de 2022 ainda deu luz aos noholders.

Em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, de 20 de agosto deste ano, a professora Claudia Pitta, especialista em ESG, destacou vários pontos importantes, mas dois chamam atenção. O primeiro que “o mapeamento de stakeholders (ou partes interessadas) é um dos pontos de partida para a construção da estratégia ESG de uma organização. O Global Reporting Initiative (GRI), por sua vez, define stakeholders como entidades ou indivíduos que podem ser afetados de forma significativa pelos serviços, produtos ou atividades das organizações, ou cujas ações possam afetar a capacidade da organização de adotar estratégias ou atingir seus objetivos, acrescentando que os públicos interessados podem incluir funcionários e outros trabalhadores, acionistas, fornecedores, grupos vulneráveis, comunidades locais, ONGs ou outras organizações da sociedade civil“.

O segundo, mais especificamente sobre o que ela chamou de noholders, esclarecendo que: “o Estado do Rio Grande do Sul tem se destacado no fomento ao trabalho prisional, convidando empresas a unirem-se a este esforço em prol do bem comum, ao mesmo tempo que se beneficiam diretamente do custo reduzido e de eventuais ganhos reputacionais da contratação destes ‘noholders’. Um dos exemplos interessantes foi implementado no presídio do município de Lajeado: a contratação de presidiárias para a produção de bioabsorventes para doação. O projeto endereça, simultaneamente, vários temas da agenda ESG: a pobreza menstrual, a produção de absorventes sustentáveis e a conscientização das detentas, que recebem educação sobre saúde e higiene menstrual. É provável que apenas um número reduzido de empresas esteja apto a acolher a mão de obra prisional. Estas, porém, podem causar um grande impacto nas comunidades em que atuam, beneficiando também seus negócios. Portanto, é importante que as organizações enxerguem esta parcela da população como potencial stakeholder, para que possam, se houver capacidade e interesse, criar possibilidades para integrá-la no ecossistema produtivo e social[7].

Teve também em 2022 espaço para o empreendedorismo. Porém, um especial: o sonho do negócio próprio na periferia.

O potencial econômico da periferia é impressionante. Segundo os dados da pesquisa Um País Chamado Favela, do Data Favela, dos 17 milhões de brasileiros que vivem em comunidades, cerca de 35% (ou seis milhões) sonham ter o próprio negócio. Além disso, 50% dos moradores se consideram empreendedores e 41% têm negócio próprio [8].

E essa condição de investimentos na periferia, sem dúvida alguma, é uma realidade, tal como se verificou, ainda em 2022, com os índices da bolsa da favela. A “bolsa de valores das favelas” completou dois meses com R$ 500 mil captados pela primeira empresa a fazer seu “IPO”. Por enquanto, investidores podem aportar dinheiro somente na Favela Brasil Xpress, única companhia listada na “nova bolsa”, mas a meta é de que 100 startups voltadas a serviços para comunidades também passem a receber investimentos. Apesar de ter sido criada para atrair investimentos para empresas que atuem em comunidades, a “bolsa de valores das favelas” é aberta a todos os investidores. O funcionamento, no entanto, é diferente da bolsa de valores tradicional. A “bolsa das favelas”, na verdade, se assemelha mais a um modelo de crowdfunding (financiamento coletivo) em que o investidor recebe como rentabilidade um percentual das receitas da empresa. O investimento é considerado de risco. Primeira empresa a fazer seu “IPO” na “bolsa das favelas”, a Favela Brasil Xpress é especializada no serviço de entregas nas comunidades. A empresa até agora captou R$ 500 mil, o que representa cerca de 38% do valor de R$ 1,3 milhão desejado.

“Se abrir o banco de dados, tem aportes de R$ 100 mil, R$ 50 mil, R$ 25 mil e de até R$ 10. Isso é o interessante, mistura os níveis de investidores e abre a oportunidade de moradores da comunidade apoiarem uma causa de uma empresa que usa no dia a dia”, diz Ricardo Wendel, CEO da DIV-hub, plataforma onde são realizados os investimentos e que tem a permissão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para atuar neste mercado [9].

Também vimos em 2022 uma onda de assédio eleitoral, ou seja, crime que ocorre quando um empregador age para coagir, ameaçar ou promete benefícios para que alguém vote em determinado candidato.

Segundo matéria publicada no G1, “O Ministério Público do Trabalho (MPT) informou que, até a tarde desta terça-feira (18), já havia registrado 447 denúncias de assédio eleitoral nas eleições de 2022. Na semana passada, o número computado pelo MPT era de 173 — aumento de quase 160%” [10].

Sem dúvida alguma, o espaço aqui é pequeno, para se tratar de todos os acontecimentos de 2022, como sumariamente mostramos no início, e suas implicações no mundo do trabalho.

Contudo, e o mais importante, é evidenciar o amplo leque de oportunidades que surgem para o profissional do Direito que atua nessa área, uma vez que Direito do Trabalho do século XXI não mais se circunscreve a uma forma uníssona, circular e tradicional, mas, diferentemente, se espraia por meio da concepção de rizoma. Suas próprias raízes são, portanto, pivotantes com ramificação mais numerosa, lateral e circular, não dicotômica.

Dentro desse conceito rizomático, ramifica-se um novo de novidades.

Surge o desenvolvedor de jornadas no ecossistema trabalhista, que compreende o que é e toda a imensidão de oportunidades contidas no ecossistema trabalhista, que abrange diversos tipos e formas; diversas condições de trabalho; diferentes stakeholders e modelos que estão fora do padrão estrutural do século XX.

Portanto, jornadas alternativas e criativas devem ser traçadas dentro dele. Para tanto, exige-se estudo e coragem, aqui e agora, no presente! “Se for esperar o futuro, vou viver em eterna angústia. A única coisa que está mais próxima de mim é o que faço hoje” (Lázaro Ramos)

Feliz 2023!

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[1] ALVES, R. Variações sobre a vida e a morte. São Paulo: Edições Paulinas, 1982

[3] A governança ambiental, social e corporativa, do inglês Environmental, social, and corporate governance (ESG), é uma abordagem para avaliar até que ponto uma corporação trabalha em prol de objetivos sociais que vão além do papel de uma corporação para maximizar os lucros em nome dos acionistas da corporação. Normalmente, os objetivos sociais defendidos dentro de uma perspectiva ESG incluem trabalhar para atingir um determinado conjunto de objetivos ambientais, bem como um conjunto de objetivos relacionados ao apoio a certos movimentos sociais e um terceiro conjunto de objetivos relacionados ao fato da corporação ser governada de forma consistente com os objetivos do movimento de diversidade, equidade e inclusão [1].

Uma variedade de organizações governamentais e instituições financeiras desenvolveram maneiras de medir até que ponto uma corporação específica está alinhada com as metas ESG. O movimento global mais proeminente nesse sentido é a adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) pela Nações Unidas em 2015 [2]. O termo ESG foi popularmente usado pela primeira vez em um relatório de 2004 intitulado “Who Cares Wins” (“Quem se importa ganha”, em tradução literal), que foi uma iniciativa conjunta de instituições financeiras a convite da ONU. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Governan%C3%A7a_ambiental,_social_e_corporativa. Acessado em 28/12/2022, às 10h43.

[4] Jornal O Estado de S. Paulo, caderno Economia & Negócios (Em Diversidade, o discurso e a prática ainda estão distantes nas empresas) 24 de dezembro de 2022.

[5] Jornal O Estado de S. Paulo (Economia & Negócios) de 03/12/2022.

[8] Jornal O Estado de S. Paulo, caderno Oportunidades & Leilões. Sonho do próprio negócio cresce na periferia. 27 de novembro de 2022.

[9] Disponível em: https://investnews.com.br/financas/bolsa-de-valores-das-favelas/. Acessado em 28/12/2022, às 11h37.

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