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A arte de escutar

Por Antonio Carlos Aguiar e Fabiano Zavanella


Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma


Alberto Caeiro


Vivemos num mundo inundado pela comunicação.


Por uma plêiade infinita de informações.


Passamos nossas horas submersos em todo tipo de mecanismos informativos, em rede, que não nos dão fôlego para, sequer, adquirir o seu conteúdo.


Vivemos presos num mundo social-comunicado caracterizado pela lógica do en passant.


E, dentro dele, um sem número de dados “cuspidos” diuturnamente por vários canais inseridos nas mais diversas redes sociais.


Antes, o que eram simples fatos e fotos, hoje são dados, fakes, posicionamentos, haters, virtualização, hologramas, “plataformização”, individualização, torcida, caça likes, desconsideração, humilhação, despersonalização, desinformação, inquietude, apressamento, desumanização e (…) até bons argumentos.


Um pouco de tudo. Junto e misturado.


Com o estudo do Direito não é diferente.


Com o Direito do Trabalho, mais ainda. Tão machucado, mal entendido, culpabilizado e ao mesmo tempo vitimizado.


O momento, ora por nós vivido, difícil, desconfigurado e permeado por simbologias desconcertantes só faz aumentar os posicionamentos mais aguerridos e polarizados, manifestados por quem pensa diferente, fazendo que, por e em defesa do que pensa e acredita, se posicione prostrado em ringue oposto.


O momento, contudo, pede ausculta.


Pede por alteridade.


Pede exposições pela via de argumentação, não apenas intelectual e posicionada, mas, empática.


Não basta ter ouvidos para ouvir o que o outro diz, até porque quando se ouve não necessariamente se escuta, apreende ou possibilita divergir.


Escutar é uma arte, porque nem todo mundo sabe como escutar de verdade.


Escutar é processar o que se está escutando, dar um significado, e fazer um esforço para tentar compreender, e até mesmo se sentir no lugar do outro, a partir daquilo que está sendo compartilhado. Atualmente, porém, existe uma incapacidade generalizada de ouvir de verdade o outro, e isso se dá pela manifestação da mais constante e sutil de nossa arrogância: “no fundo, somos mais interessantes” (Daniela do Lago).


Precisamos explodir as bolhas de reverberação, que nos fazem ter impressões bem distorcidas sobre as opiniões das pessoas ao nosso redor e passar a escutá-las. Enxergar ver e escutar o que existe fora da bolha.


O querido e saudoso professor Rubem Alves, com a sutileza e leveza caraterísticas dos seus textos, revela-nos: “Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil…”[1]


Vamos ouvir.


Vamos nos “matricular” …


Vamos exercer a escuta, com a gratidão. Ser gratos àquele que desnudou o que (pelo menos naquele instante) entende como adequado, melhor ou mesmo correto.


Vamos escutar sem já antecipadamente preparar um contundente material para a deterioração de alguém que pensa e se posiciona diferente.


Vamos escutar sem obrigatoriamente trabalhar na construção de um (nosso) discurso absolutamente contrário (muitas vezes de torcida) para criar ganchos de confirmação, em vez de promover questionamentos e mudanças mentais (dentro de nós, se viáveis, frente à argumentação que nos é apresentada).


Vamos apresentar o que pensamos e entendemos por meio de uma argumentação empática, consistente numa fala clara, consciente e efetiva sobre um ponto de discordância, partindo de um lugar de empatia e não beligerante na sua essência.


Vamos trabalhar com encontros.


Até a alquimia e a química se encontraram.


E a partir desse encontro, descobriram que tinham pontos em comum. Então, se somaram, trazendo, com a soma dos diferentes, resultados positivos, justamente pelo reconhecimento da importância de cada qual.


Não foi sempre assim.


Em 1797, o professor de química Johann Friedrich Gmelin, médico, naturalista, botânico e entomologista alemão, graduado com um M.D. na Universidade de Tübingen em 1769, escreveu que a alquimia era tão somente o fruto do obscurantismo que dominava toda a Idade Média, sendo que suas práticas e teorias não deveriam merecer ao homem de ciência da Idade da Razão qualquer atenção, nem merecimento[2].


A alquimia não se enquadrava com a ciência química. Situavam-se em planos diferentes.


Ser diferentes, contudo, não é ser incompatível. Da divisão se faz a soma. Da soma se obtém um resultado melhor.


Toda diferença é (muito) importante. A diversidade é indispensável à evolução; ao crescimento; à maturidade. A diferença faz com que as ações de um se desenvolvam no outro.


A diferença fez com que a utilização das técnicas e operações experimentais da ‘ciência sagrada’ dos alquimistas se encontrasse com a ‘ciência racionalizada’ dos químicos por meio de técnicas e operações laboratoriais promovendo a “descontinuidade entre o holozoismo e o racionalismo programático”[3].


Descontinuidade do olhar equivocado pelo diferente, a partir do reconhecimento da alteridade e da escuta ativa.


Se deu, então, uma transição entre dois paradigmas competitivos, decorrentes de transformações históricas ocorridas na estrutura interna da visão alquímica do universo, na elaboração do novo saber sobre o mesmo universo pela mão dos químicos[4].


A grande promotora deste encontro foi a oitiva dada a ambos posicionamentos. Um encontro propulsor à chamada revolução cientifica dos séculos XVI-XVII, que serviu de modelo ao desenvolvimento científico, oferecendo características da quantificação, precisão e irredutibilidade que os clamores sociais até então pediam[5].


Seres humanos são animais emocionais dotados de razão, e não o inverso. Ou ao menos é isso que uma série de estudos de psicologia e neurociência indicam. Então, por mais que tenhamos todos os argumentos lógicos enfileirados para apresentar ao outro lado da mesa, é necessário começar construindo uma ponte de empatia[6].


Escutar é uma arte porque nos dá a oportunidade de conhecer outras realidades e de explorar emoções que nunca experimentamos, tudo isso a partir de diferentes ângulos. Escutar nos permite conhecer as pessoas e encontrar a melhor maneira de ajudá-las[7].


Escutemo-nos!


Notas:



[2] Geschichte der Chemie, 3. Vols. (Gottingen, 1797-9)


[3] G. Bachekard, La Formation de I’Esprit Scientifique, 8.me ed. (Lib Phiplosophique J. Vrin. Paris, 1972), pp. 48-49.


[4] Thomas S. Kuhn, The Structure of Scientific Recolutions, 2. nd ed. (Univ. Chicago Press, Chicago, 1970), p. 149.


[5] Ana Maria A. Golfardb, Da Alquimia à Química (Nova Stella, EDUSP, São Paulo, 1987, pp. 259-261.




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Antonio Carlos Aguiar é Advogado, Professor de Direito do Trabalho e membro titular da cadeira nº 28 da Academia Paulista de Direito do Trabalho – APDT, que tem como patrono Francisco Amaral. Fabiano Zavanella é Advogado, Professor de Direito do Trabalho e Empresarial e autor do livro “Dos Direitos Fundamentais na Dispensa Coletiva”, Editora LTr e Organizador do livro ‘’ O primeiro ano de vigência da Lei Nº 13.467 (Reforma Trabalhista) – Reflexões e Aspectos Práticos’’ Editora LTr.

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Os artigos assinados e notícias reproduzidas com respectivas fontes não representam posições da Academia Paulista de Direito do Trabalho, refletindo a diversidade de visões relevantes abrangidas pelo tema e pela APDT.



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