Em benefício da objetividade dos trabalhos, o Regimento Interno deveria ser reformado e limitar o número de senadores com o direito de interpelar. O histórico das comissões de inquérito revela ser momento propício para que o baixo clero se inscreva, desejoso de aparecer em rede nacional.
Por Almir Pazzianotto Pinto, 25/05/21, no portal Os divergentes
O Senado Federal é órgão político integrante do Poder Legislativo, composto por três representantes de cada Estado e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário, investidos de mandato de oito anos. A representação será renovada de quatro em quatro anos, alternadamente, por um e dois terços (Constituição, artigo 46).
Como na Câmara dos Deputados, também no Senado a composição é dividida entre alto e baixo clero. Existem senadores privilegiados pela inteligência, cultura e eloquência; outros são apenas ladinos, que lutaram e gastaram muito para se eleger. A maioria permanece na penumbra. Não faz discursos memoráveis. Desempenha trabalho anônimo nas comissões permanentes, com reduzidas chances para se destacar.
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), dotada de “poderes de investigação próprio das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos internos das respectivas Casas”, é uma das raras ocasiões que o baixo clero tem oportunidade de se manifestar e atrair o foco das câmeras de televisão.
O Regimento Interno do Senado (RIS) tem mais de 50 anos de vida. Foi aprovado pela Resolução Interna nº 93 de 1970 e editado segundo determinação da Resolução nº 18, de 1989. Sucessivas Comissões Parlamentares de Inquérito mal conduzidas, mal instruídas e quase sempre mal concluídas, levam o povo a temer que terminem em pizza, no jargão popular.
Qual o papel do senador escolhido para relatar a CPI? Relator, nos julgamentos por órgão colegiado do Poder Judiciário, é o magistrado incumbido de elaborar breve texto contendo a síntese dos aspectos principais do processo, para formular a proposta de voto, escorado na peça denominada fundamentação. O presidente, o relator e os senadores integrantes da CPI interrogam sobre fatos determinados no requerimento de instauração. O depoente, seja autoridade, testemunha ou indiciado, não será consultado a propósito de opinião, isto é, sobre o modo de pensar a propósito de determinado assunto, porque pensamento não concretizado não conduz à absolvição ou à condenação.
Em benefício da objetividade dos trabalhos, o Regimento Interno deveria ser reformado e limitar o número de senadores com o direito de interpelar. O histórico das comissões de inquérito revela ser momento propício para que o baixo clero se inscreva, desejoso de aparecer em rede nacional. Não estudou o caso. Ocupará tempo precioso para repetir perguntas já respondidas. Contribuirá para a morosidade e ajudará aqueles que buscam o malogro da investigação.
Até a tomada de depoimentos dos ex-ministros Henrique Mandetta e Nelson Treich, do almirante Antônio Barra Torres, de Fábio Wajngarten e de Carlos Murillo, presidente da Pfizer na América Latina, os trabalhos se desenvolviam razoavelmente bem.
No momento, porém, em que o ex-Ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, com calculada frieza procurou obstruir CPI, calando, mentindo ou entrando em contradição, passou a haver receio da transformação do inquérito em mero espetáculo televisivo, para garantir a impunidade dos responsáveis pelo alastramento da pandemia.
Repetidas declarações alusivas ao presidente Jair Bolsonaro tornam necessário que seja chamado a depor. S. Exa. não poderá reivindicar o direito ao silencio para se recusar a comparecer. Pessoas invioláveis, sagradas, isentas de responsabilidade foram os imperadores Dom Pedro I e Dom Pedro II, amparados pelo artigo 99 da Carta Imperial de 1824. Os artigos 85 e 86 da atual Constituição tratam da responsabilidade do presidente da República e foram aplicados aos presidentes Fernando Collor e Dilma Roussef.
A CPI não malogrará. Os negacionistas adeptos da política de repulsa à vacina, à máscara, ao prudente isolamento social, não ficarão impunes. Centenas de milhares de mortos, de milhões de infectados e sequelados, de órfãos, de viúvos e de famílias dizimadas, não cairão no limbo do esquecimento. Serão testemunhas caladas, porém eloquentes, presentes no plenário para exigir justiça.
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Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Autor de A Falsa República. Presidente de honra da APDT - Academia Paulista de Direito do Trabalho e ocupante da cadeira nº 1.
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