Por Almir Pazzianotto Pinto, em 24/10/2021
Nada justifica a celeuma em torno de recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que assegura isenção de pagamento de custas e de honorários de sucumbência ao reclamante pobre, assim considerado aquele cuja condição econômica não lhe permite demandar, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.
Vamos ao texto original da Consolidação das Leis do Trabalho, seção relativa às custas (Título X – Do Processo Judiciário do Trabalho, Capítulo II, Seção III).
A regra geral, prescrita no Art.789, determinava que “Nos dissídios do trabalho, individuais ou coletivos, as custas serão calculadas progressivamente, de acordo com a seguinte tabela:”
A tabela se iniciava com custas apuradas à razão de 10%, quando o valor da causa não superasse a Cr.$ 100,00 (cem cruzeiros). A porcentagem era reduzida em função do aumento do valor da causa, até o limite de 2% (dois por cento).
Sensíveis à realidade do país pobre, onde a maioria da classe trabalhadora aspirava ganhar salário mínimo, os autores da CLT quebraram a regra geral no parágrafo 7º do Art. 789, prescrevendo que “É facultado aos presidentes dos tribunais do trabalho conceder ex-offício o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual, ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou provarem o seu estado de miserabilidade”.
Passados sete anos, a Lei nº 1.060, de 5/2/1950, sancionada pelo presidente Eurico Gaspar Dutra, viria a determinar “normas para a concessão de assistência judiciaria aos necessitados”. O Art. 2º dizia que “Gozarão dos benefícios desta Lei os nacionais ou estrangeiros residentes no país que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil, militar ou do trabalho.” O parágrafo único, por sua vez, esclarecia: “Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou da família.”
Em 30/6/1970, sancionada pelo presidente Emílio G. Médici, a Lei nº 5.584 dispunha sobre direito processual do trabalho, alterava dispositivos da CLT e disciplinava a concessão da assistência judiciária na Justiça do Trabalho. O Art. 14 ordenava que “a assistência judiciária a que se refere a Lei n. 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, será prestada pelo Sindicato profissional a que pertencer o trabalhador”. O parágrafo 1º esclarecia que “A assistência é devida a todo aquele que perceber salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ficando assegurado igual benefício ao trabalhador de maior salário, uma vez provado que sua situação econômica não lhe permite demandar, sem prejuízo próprio ou da família.”
A Constituição de 1988 superou a CLT e as leis posteriores na garantia universal de acesso ao Poder Judiciário. Vejam-se os incisos XXXV e LXXIV do Art. 7º, que trata Dos Direitos e Garantias Fundamentais. O primeiro diz: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. O segundo dispõe: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
A Lei nº 10.537, de 27/8/2002 alterou os artigos 789 e 790 da CLT, e lhe acresceu os artigos 789-A, 789-B, 790-A e 790-B, preservando, contudo, o benefício da justiça gratuita, de conformidade com a tradição.
Quando pretende privar o pobre de acesso ao Poder Judiciário, impondo-lhe o risco do pagamento de custas, honorários de advogado e periciais, a Lei nº 13.46, de 13/7/2017, ignora a história e afronta a lei das leis.
Correta e justa, portanto, a decisão do E. Supremo Tribunal Federal, ao julgar procedente pedido formulado em Ação Direta de Inconstitucionalidade e decretar a nulidade dos artigos 790-A, caput e parágrafo 4º, e 791-A, parágrafo 4º, da CLT, com a redação dada pela referida lei..
Privar o pobre de recorrer à Justiça do Trabalho, sob a ameaça de pesadas condenações em custas, honorários periciais, honorários de advogado, viola o direito fundamental humano à “assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (Art. 7º, LXXIV).
Os trabalhadores não podem ser responsabilizados pelo excesso de ações em curso no Poder Judiciário de maneira geral e na Justiça do Trabalho, em particular. Se há exageros a culpa não lhes cabe. O Processo Judiciário do Trabalho é o meio de que dispõem para se proteger contra “lesão ou ameaça a direito”. A busca da segurança jurídica não se deve fazer com a obstrução da Justiça para quem necessita.
O passar dos anos e o exame da jurisprudência tem revelado as falhas da reforma trabalhista, quase sempre em prejuízo das classes trabalhadoras. Dentro de algum tempo deveremos enfrentar a tarefa da reforma da reforma, para não se depender, a todo momento, da morosa intervenção do Supremo Tribunal Federal no julgamento de ações diretas de inconstitucionalidade.
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Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Membro da APDT, ocupante da cadeira nº 1.
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Os artigos assinados e notícias reproduzidas com respectivas fontes não representam posições da Academia Paulista de Direito do Trabalho, refletindo a diversidade de visões relevantes abrangidas pelo tema e pela APDT.
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