“Vistam-me como quiserem que, de qualquer modo que eu for vestido, sempre serei Sancho Pança”
A frase de Sancho Pança, fiel escudeiro do valoroso fidalgo D. Quixote De La Mancha, personagem genial de Miguel de Cervantes, se aplica com precisão milimétrica a demagogos candidatos à presidência da República, cujas roupagens têm como objetivo lhes ocultar o ver
dadeiro caráter. Veja-se o caso de Luís Inácio Lula da Silva. Ao declarar que procederá à contrarreforma trabalhista, revelou que será sempre presidente de sindicato, alheio às graves prioridades nacionais, como o desemprego, a desindustrialização, a insegurança jurídica, o endividamento social, a crise da saúde.
Antes de tudo, é necessário dizer que não haverá contrarreforma trabalhista. A inoportuna ameaça de revogar a Lei nº 13.467, de 13/7/2017, jamais se concretizará porque será inútil. A legislação brasileira rejeita o princípio da repristinação, ou seja, da restauração de lei revogada por ter a lei revogadora perdido vigência. Nesse sentido dispõe o Art. 2º, § 3º, do Decreto-Lei 4.657, de 4/9/1932, atualizado pela Lei nº 10.236, de 301/12/2010, com o nome de Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Se eventualmente eleito, para cumprir a promessa feita ao eleitorado, Lula deverá encaminhar projeto de lei à Câmara dos Deputados propondo a revogação total ou parcial da Reforma Trabalhista. Se for parcial, especificará os dispositivos que deseja ver revogados. Em qualquer caso, entretanto, a retrógrada iniciativa enfrentará sólidos obstáculos no Poder Legislativo. Não poderá fazê-lo por medida provisória, por lhe faltarem os requisitos de relevância e urgência. Considerem-se, ademais, as milhares de emendas apresentadas na Câmara dos Deputados e no Senado.
Se o objetivo consistir na revogação de dispositivos específicos, erra ao tentar iludir as classes patronais e trabalhadoras. Antes, deverá identificar os artigos, parágrafos, incisos e alíneas que pretende eliminar. A ideia da contrarreforma traz embutida a pretensão de restabelecer a Contribuição Sindical, o velho Imposto Sindical, pago indistintamente por empregadores e trabalhadores associados e não associados, ao correspondente sindicato patronal ou profissional.
Lula deve compreender que o Brasil deste século é diferente daquele que foi durante 15 anos da era Vargas, quando se deu a decretação da Consolidação das Leis do Trabalho. Em maio de 1943, estávamos sob a ditadura do Estado Novo. Getúlio Vargas não encontrou obstáculo para editar a CLT. Dispunha de poderes legislativos garantidos na Carta Constitucional de 10/11/1937. Hoje, porém, restabelecer a cobrança da Contribuição Sindical de empresas e de trabalhadores, que discordam da filiação ao sindicato da categoria, enfrentará fortes obstáculos constitucionais.
Com efeito, o Art. 5º, XX, e o Art. 8º da Constituição asseguram a plena liberdade de associação e de sindicalização. Impor contribuição ao não associado despertará polêmica no Congresso Nacional, de resultados demorados e imprevisíveis. Lula precisa saber que a sua vontade não tem o condão de prevalecer sobre a Lei Fundamental.
A estrutura sindical brasileira deve ser preservada em defesa das classes assalariadas. É indispensável encontrar fórmula adequada, ética, legítima, que permita a arrecadação de fundos com a participação indistinta de todos que se beneficiam das atividades sindicais. A difícil construção passa, todavia, por amplo debate democrático. Não pode resultar da vontade de Lula, como fruto da emulação de medidas adotadas na Espanha, cujos resultados são desconhecidos. Modelos ultramarinos dificilmente se adaptam às complexas realidades brasileiras.
O momento não é adequado à discussão do assunto. Temos outras prioridades, como o desemprego, a informalidade, o trabalho à distância, a proteção à saúde, a expansão do tráfico de drogas, para não falar na reforma constitucional por completo, tarefa da próxima legislatura.
A sede de poder embriaga os candidatos à chefia do Poder Executivo. Em campanha pela eleição ignoram o mundo real. Abusam do desejo de oferecer coisas que não podem entregar.
Não importa como a pessoa está vestida. É sob a roupa que será encontrado o verdadeiro caráter. O populista demagogo não deixará de sê-lo. Promessas de campanha são feitas para seduzir incautos.
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Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Membro da APDT, ocupante da cadeira nº 1.
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