Por Marcos César Amador Alves, publicado originalmente no caderno E2 do Valor em 08/02/2022
Não é aceitável que as atividades empresariais sejam exercidas distanciadas dos valores éticos essenciais à humanidade. Todas as empresas e os seus administradores têm a responsabilidade de proteger e respeitar os Direitos Humanos, cumprindo – rigorosamente – as leis vigentes, de modo a manter irrepreensível conduta empresarial ética. Caso assim não se conduzam, sujeitar-se-ão às mais rumorosas consequências, inclusive, sanções de natureza criminal, além de medidas que os obriguem a interromper condutas violadoras, mudar comportamentos e compensar financeiramente os atingidos.
No que concerne à regulação das atividades empresariais e seus desdobramentos, tem assumido notável importância, inserindo-se na temática Empresas e Direitos Humanos, a denominada Devida Diligência (Due Diligence), que corresponde ao processo sistematizado e contínuo de investigação e ação pelo qual as empresas devem identificar, prevenir, mitigar e enfrentar os potenciais e reais impactos nos Direitos Humanos nas suas condutas diretas, assim como aquelas exercidas ao longo de suas cadeias de valor.
Preconizada nos Princípios Orientadores da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Empresas e Direitos Humanos, assim como pelas Diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para Empresas Multinacionais, pela Declaração Tripartite de Princípios sobre Empresas Multinacionais e Política Social da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Quadro de Sustentabilidade da Sociedade Financeira Internacional do Banco Mundial, a Devida Diligência tem assumido expressiva centralidade, especialmente em países da União Europeia, como França e Alemanha, com o escopo de garantir a proteção dos Direitos Humanos contra violações praticadas por empresas.
Em referido contexto, é inafastável reconhecer que a proteção ao trabalho integra o núcleo essencial dos Direitos Humanos, apresentando-se como alicerce fundamental de qualquer sociedade declaradamente civilizada. A aplicação material dos direitos fundamentais no trabalho e dos elementos do trabalho decente é pressuposto primeiro para o autêntico reconhecimento da conduta empresarial verdadeiramente ética. Empresas e seus administradores devem dedicar-se – de modo real e autêntico – à concretização da proteção dos trabalhadores, especialmente por meio da implementação efetiva da Devida Diligência Trabalhista.
A Devida Diligência Trabalhista, em consonância com a Declaração dos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho da OIT e com a Agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável, deve propugnar a plena efetivação da proteção social dos trabalhadores, a geração de oportunidades de trabalho, emprego e renda, o diálogo social e a equidade. Também, necessita preconizar a afirmação do trabalho seguro e saudável, a liberdade de associação e de organização sindical, o reconhecimento verdadeiro do direito de negociação coletiva, a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, a aboli&c cedil;ão efetiva do trabalho infantil, a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação. Deve tutelar e promover, portanto, o trabalho produtivo e apropriadamente remunerado, executado em condições de liberdade, equidade e segurança, sem discriminação e apto para assegurar uma vida digna aos indivíduos que dele dependam.
A Devida Diligência Trabalhista, assim, deve ser adotada e disseminada como instrumento concreto para a valorização do trabalho, enquanto referência fundamental da sociedade contemporânea, exigindo a efetivação dos mais elevados padrões internacionais de proteção ao trabalhador e rejeitando a revogação de direitos e a precarização.
Enquanto processo minucioso e contínuo capaz de identificar, prevenir, mitigar e responder aos impactos adversos das atividades de empresas e organizações no que respeita à afirmação dos direitos trabalhistas, integrando um autêntico sistema de gestão de riscos, a Devida Diligência Trabalhista, entre outras premissas, deve ser imposta a todas as empresas autorizadas a funcionar, independentemente da dimensão, da estrutura ou da titularidade. Além disso, deve estender-se a todas as empresas que integram a respectiva cadeia produtiva, seja por meio de relações contratuais ou de investimento.
As empresas são autorizadas a constituir-se e a funcionar à medida que contribuam positivamente para a sociedade, nessa perspectiva, adotando valores éticos e comportamentos sustentáveis. A função transformacional das empresas, por conseguinte, é essencial para o desenvolvimento de uma sociedade justa, inclusiva, capaz de reduzir desigualdade e iniquidades. Todavia, caso assim não se conduzam, revela-se plenamente lícito condicionar, restringir ou – em último caso – interromper suas atividades.
A Devida Diligência Trabalhista exsurge como valiosa ferramenta para aferir e comprovar o atendimento da finalidade maior enunciada. Em referido sentido, a responsabilização pelas falhas das corporações em prevenir práticas e condições injustas nas relações de trabalho, em elidir acidentes de trabalho e doenças profissionais ou pela constatação de trabalho infantil ou análogo ao de escravo em suas atividades são alguns exemplos contundentes que podem representar riscos severos à própria existência legal de uma empresa.
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Marcos César Amador Alves é Desembargador do TRT 2a Região. Doutor em Direito do Trabalho pela USP. Membro da APDT, ocupante da cadeira nº 8.
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