Retornava quinta-feira à noite para a residência, após reunião na Academia Paulista de Direito do Trabalho (APDT), por mim fundada em 2017 e que presidi. Deixei a cerimônia no bairro do Paraíso por volta de 18:30. O trânsito se encontrava carregado. Nas Avenidas 9 de Julho e Santo Amaro deparei-me com intermináveis filas de ônibus, ocupando ambas as faixas preferenciais por vários quilômetros.
De imediato percebi que refletiam a paralisação do Metrô. Ignoro se o Sindicato grevista respeitou às disposições da Lei nº 7.783, de 28/6/1989, relativas às paradas de atividades essenciais, uma das quais é o transporte coletivo (art. 10, V). A experiência me sugere que não. De toda forma, a história do Direito do Trabalho revela a inutilidade da legislação nessa matéria. Conforme escreveu sobre a greve a jurista Hèlene Sinay: “a lei reconhece o fenômeno, mas não o domina”.
Os estados autoritários prescindem da lei. Basta-lhes exercer a autoridade, amparada na força. Nas democracias, sindicatos organizadores de trabalhadores em serviços públicos essenciais fazem greve, sem preocupação com as repercussões econômicas, sociais e as consequências jurídicas.
Informa a imprensa que 2,8 milhões foram diretamente prejudicados (O Estado, edições de 24 e 25/). Indiretamente, toda a população paulistana. Sem saber como reagir, o governo decretou ponto facultativo em repartições públicas, suspendeu o rodízio e tentou liberar as catracas, medida vedada pelo Desembargador Ricardo Apostólico Silva, por falta de prévio acordo, e impossibilidade da volta imediata das atividades, “sob o risco de esvaziar o movimento” (sic). Puniu, também, o Metrô por conduta antissindical. Aplicou-lhe multa de R$ 100 mil.
Desde o Decreto-Lei 9.070, de 1946, passando pela Lei nº 4.330, de 1964, pelo Decreto-Lei nº 1.632, de 1979, até a atual Lei nº 7.783/1989, o fracasso ou o sucesso da greve dependem da capacidade de resistência e da superioridade de forças. O Estado fraco sempre perderá.
Na ditadura do Estado Novo (1937/1945), a greve caracterizava Crime Contra a Organização do Trabalho, previsto no Código Penal. Criados para “colaborar com os poderes públicos no desenvolvimento da solidariedade social”, conforme prescreve o não revogado art. 515, a, da CLT, aos sindicatos competia “promover a conciliação nos dissídios do trabalho”. Em caso de insucesso na negociação, poderiam ajuizar dissídio coletivo (art. 856 e sgts). O Regime Militar (1964-1985) usou as armas concedidas pela CLT para abafar movimentos grevistas. Intervenções, com cassação de mandatos, foram fartamente utilizadas pelo Ministério do Trabalho. O governo José Sarney enfrentou mais de 10 mil greves. Jamais, contudo, se utilizou dos instrumentos legais a sua disposição, para reprimir. O Ministério do Trabalho buscava o acordo. Em caso de insucesso, entregava o problema à Justiça do Trabalho.
Na fatídica greve de quinta-feira, tudo indica que o governo do Estado foi colhido de surpresa. O prefeito de São Paulo, por sua vez, esteve ausente. Comportou-se como se o problema não fosse de sua alçada. Em parte, tem razão. Violando o art. 30, V, da Constituição de 1988, no caso do Metrô a organização e prestação do transporte coletivo, ao invés de ser feita pelo Município, foi entregue ao Estado, que arca com custos financeiros e políticos que legalmente lhe não pertencem.
O governador Tarcísio de Freitas goza do prestígio de bom planejador. Deve procurar entender, entretanto, a complexidade de administrar o Estado mais populoso, mais industrializado, mais dinâmico e berço de milhares de entidades sindicais.
A greve teve objetivos que transcendem a esfera trabalhista. O Sindicato exige o fim das privatizações – permitidas pela Constituição na forma de concessão ou permissão (art. 30, V) – e das terceirizações. Pertence ao Metrô o direito de adotar decisões estratégicas e medidas de administração, dando prioridade aos interesses da maioria usuária, não da minoria metroviária.
A Ordem Econômica e Financeira tem como um dos fundamentos constitucionais “a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa” (art. 170). Por outro lado, “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei” (art. 173). Afinal, não estamos na velha União Soviética.
No passado, o transporte coletivo por ônibus, troleibus ou bondes, era monopólio da extinta Companhia Municipal de Transportes Coletivos – CMTC, que fracassou. A exploração pela iniciativa privada apresenta bons resultados. Quanto à terceirização, a Reforma Trabalhista e decisões do Supremo Tribunal Federal asseguram a possibilidade do uso em atividade meio ou fim
O governador Tarcísio de Freitas deve despertar para realidades que não conhece ou não domina. Espera-se que a greve do Metrô lhe sirva de lição, em todos os sentidos.
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