Almir Pazzianotto Pinto
Procuro acompanhar as manifestações favoráveis à igualdade salarial entre homens e mulheres. O assunto havia sido enfrentado pela Constituição de 1934, no Título consagrado à Ordem Econômica e Social. Prestigiando movimentos feministas do início do século 20, o art. 124, § 1º, determinou que “A trabalho igual corresponderá igual salário, sem distinção de idade ou de sexo”.
Embora a Carta Constitucional de 10/11/1937 omitisse o direito à isonomia, o art. 461 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), decretada seis anos depois, estabeleceu que “Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo”. Trabalho de igual valor, na definição do parágrafo primeiro, “será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço não for superior a 2 (dois) anos”.
A CLT encerra normas especiais relativas ao trabalho feminino (artigos 372/401), salientando-se as regras sobre a proteção à maternidade. Segundo o art. 392, a mulher grávida está dispensada de trabalhar nas seis semanas anteriores e seis semanas posteriores ao parto. Estes dispositivos foram acolhidos pelas Constituições de 1946, 1967 (Emenda nº 1/1969) e 1988, permanecendo em vigor.
Como advogado de sindicatos, em meus plantões recebia empregadas queixando-se de dispensa nos primeiros meses de gestação, tão logo o empregador tomava conhecimento da gravidez. Eram operárias em indústrias de forte presença do trabalho feminino, como lavanderias e laboratórios químicos e farmacêuticos.
O problema das dispensas de gestantes foi resolvido pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas e Farmacêuticas de São Paulo no início dos anos 70. Após malograrem negociações coletivas, a entidade recorreu à Justiça do Trabalho para obter, no Tribunal Superior do Trabalho, o deferimento da estabilidade provisória à gestante “até 60 dias após o término da licença maternidade, como medida impeditiva das despedidas nesse estado” (Recurso Ordinário em Dissídio Coletivo. TST-RO-DC 126/73, Ac. 1.110/73).
Após sucessivas derrotas, as entidades patronais ajuizaram Recurso Extraordinário (RE) ao Supremo Tribunal Federal. Coube ao ministro Mozart Victor Russomano, presidente do TST, indeferir o pedido. No histórico despacho disse que “a decisão adotada em favor da trabalhadora gestante, longe de merecer a crítica dos juristas e dos juízes, deve receber amparo, aplauso e estímulo”.
Enquanto a estabilidade temporária da mulher grávida se ampliava a outros sindicatos, nunca houve pedido de isonomia coletiva entre mulheres e homens nas pautas anuais de reivindicações. O combativo Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, do qual fui advogado entre 1970 e 1982, jamais cogitou do assunto, não obstante a elevada presença de empregadas em setores das indústrias automobilísticas e de autopeças.
No serviço público, os vencimentos correspondem à tabela de cargos. É impossível dispensar tratamento diferenciado a homens e mulheres. No comércio, empregadas e empregados são comissionistas e se dividem de acordo com a natureza das lojas onde trabalham. Algumas se dedicam à venda exclusiva de artigos do sexo feminino; outras do sexo masculino; muitas atendem indistintamente homens e mulheres. No jornalismo, advocacia, medicina, engenharia, publicidade, salários são contratados de conformidade com a qualificação. Os melhores, homens ou mulheres, sempre ganham mais.
A Constituição de 1988 concede licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias, após o término da licença maternidade; protege o mercado de trabalho da mulher, “mediante incentivos específicos, na forma da lei”; proíbe a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão, “por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”, (Art. 7º, XVIII, XX, XXX). No terreno da lei, portanto, as medidas de amplitude geral satisfazem.
O pedido judicial de equiparação exige designação de paradigma. A parte que se sente prejudicada deve demonstrar que a desigualdade ocorre em relação a colega de trabalho identificado. A mera afirmação de que a diferença se deve ao fato de ser mulher, se condiciona à prova do serviço de igual valor, como exige a CLT.
Segundo voz corrente, a disparidade se acentua entre executivos, ocupantes dos altos escalões de grandes empresas. Esta esfera, porém, é alheia aos domínios do Direito do Trabalho. Pertence à ciência da administração.
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Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. OsDivergentes. Brasília. DF. 15/5/2023.
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