Pertence à tradição do direito constitucional brasileiro a possibilidade de o chefe do governo reduzir ou indultar sentença condenatória com trânsito em julgado.
A Carta Imperial de 1824 concedia ao Imperador a prerrogativa de perdoar ou moderar penas impostas aos réus julgados e condenados, e de concessão de anistia em caso urgente, “e que assim aconselhem a humanidade, e bem do Estado” (Art. 101, VIII e IX).
A Constituição de 1891 outorgou ao Congresso Nacional a prerrogativa de conceder anistia, de comutar e perdoar penas impostas a funcionários federais por crime de responsabilidade (Art. 34, nºs 27 e 28), e ao presidente da República competência para “indultar e comutar as penas nos crimes sujeitos à jurisdição federal, salvo nos casos a que se referem os Arts. 34, nº 28, e 52, § 2º”. O Art. 52, § 2º, tratava de crimes comuns e qualificados cometidos por Ministros de Estado.
A Carta de 1937 conferia ao presidente da República autorização para “exercer o direito de graça” (Art. 75, f). O Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689, de 3/10/1941), foi aprovado na vigência da “polaca”, como era conhecida a Carta autoritária de 1937.
A Constituição de 1946 permitia ao Chefe do Poder Executivo federal “conceder indulto e comutar penas”, com audiência dos órgãos instituídos em lei (Art. 87, XIX). A de 1967 (Emenda nº 1/69) manteve o direito de o chefe do Poder Executivo “conceder indulto e comutar penas com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei” (Art. 81, XXII). A vigente Lei Fundamental transcreve as palavras da Emenda nº 1/69.
Sempre se exigiu que a sentença condenatória transitasse em julgado, com o encerramento do processo judicial e que o condenado houvesse cumprido parte da pena. Indulto, comutação ou graça, em benefício de réu com processo em andamento, importa na invasão pelo Presidente da República da esfera constitucional do Poder Judiciário.
A utilização da expressão “graça” só se registra na Carta ditatorial de 1937. Indulto, comutação e graça são benefícios distintos de caráter excepcional. A utilização vulgar, desfundamentada ou mal justificada de qualquer dessas figuras do Direito Constitucional implica em desrespeito ao Poder Judiciário, o único investido da prerrogativa da jurisdição, isto é, de imposição de sentença condenatória ou de absolvição.
Há situações nas quais o indulto é necessário em nome da justiça e do espírito humanitário. Assim acontece no caso de condenado idoso, vítima de doença fatal, cuja situação de encarcerado só lhe faz aumentar o sofrimento, sem qualquer proveito para a sociedade. Da mãe com filhos menores, condenada por crime de reduzido potencial ofensivo, com bom comportamento, cuja reclusão em penitenciária já não se justifica. Há casos de indultos coletivos, quando são postos em liberdade delinquentes recuperados ao lado de outros de alta periculosidade.
O deputado federal Daniel Lúcio da Silveira exibe péssimo currículo. Breve relato da sua vida pode ser encontrado na Wikipédia. Foi cobrador de ônibus durante pequeno período. Após ser reprovado em concurso da Polícia Militar, em 2012, ingressou na corporação por força de controvertida decisão judicial. Como PM acumulou prisões disciplinares e repreensões. Foi considerado inapto para atividade policial. Deixou o Partido Social Liberal (PSL), pelo qual se elegeu para a Câmara dos Deputados, para se filiar ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), presidido por Roberto Jefferson. A ficha de filiação teria sido assinada e abonada no presídio.
A justa condenação pelo Supremo Tribunal Federal deu-se por dez votos contra um, do ministro Nunes Marques. Argumentou o ministro: “Em que pese a gravidade e a repugnância das falas do acusado (sic), não vislumbro cometimento de crime”.
A favor o deputado Daniel da Silveira pesa o fato de ser amigo íntimo dos filhos do presidente. A folha corrida revela ser delinquente perigoso cuja liberdade, com o mandato de deputado federal a resguardá-lo, oferece perigo iminente para o Estado de Direito democrático.
O decreto baixado no dia 21 de abril, minutos após o julgamento, sem aguardar a entrega definitiva da jurisdição com o trânsito em julgado da sentença condenatória, revela o desprezo de S. Exa. pela Constituição; pelo princípio da independência e da harmonia entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário; pelo Supremo Tribunal Federal; pela lei e pela ordem.
Avesso desde a Academia Militar aos princípios de hierarquia e disciplina, assim procede o presidente autocrata que reivindica reeleição em outubro.
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