Por Regina Duarte, em 21/10/2021
O jornal O Estado de São Paulo publicou ontem, 20/10/2021, matéria sobre novo êxodo de refugiados em Mianmar. Chama a atenção o depoimento de um deles que diz amar Mianmar, mas que só voltará para sua terra se houver paz. Diz que é muito triste deixar sua aldeia e ter de fugir para a selva, sua única escolha. Esta notícia chega até nós, que podemos dizer, sem dúvida, que temos uma Pátria. Tomo a palavra Pátria no sentido de se ter origem, antepassados que viveram em determinado espaço marcado por suas experiências e memórias até se integraram como uma nação.
O refugiado se vê sem Pátria e, sem referência local, depende da cortesia e solidariedade dos que integram outra nação, estranha, com costumes diferentes e muitas vezes impossíveis de serem assimilados. Conheci um assim. Professor universitário, fugiu do Congo e veio clandestino em navio que aportou em Santos, onde foi compulsoriamente removido a São Paulo. Conheci-o por intermédio de trabalho que realizava em paróquia na capital, orientando pessoas em assuntos jurídicos. Ele já estava em São Paulo há 4 meses, dormindo num albergue e, sem documentos, não pôde chegar ao seu destino, o Canadá. Com mulher e filha ainda no Congo, tentava de toda forma poder encontrá-las, no que eu pude ajudá-lo.

Aproveitei uma viagem a trabalho para Brasília e me informei na fonte sobre o que era preciso para que obtivesse seus documentos e pudesse seguir seu caminho. De volta a São Paulo orientei-o e soube, dois meses depois, que ele havia deixado nosso País.
O que aconteceu?
A história de Laureat terminou bem.
Certo dia, estava num congresso da AATSP-Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo, no Guarujá, e recebi um telefonema.
-Ça vas, Regine!
Era ele.
E eu, em meu francês insuficiente, continuei uma conversa aos trancos e barrancos.
Ele já estava em Paris reunido com sua esposa e filha e telefonou só para me agradecer.
A matéria do Estadão, a que me referi acima, me lembrou a história de Laureat e me evoca o desejo de que refugiados de todas as nações possam encontrar uma Pátria, ainda que seja somente a eleita.
Ter consciência do outro e caminhar com o outro são formas de diminuirmos o sofrimento alheio que, por vezes, só depende de um gesto ou uma atitude que está ao nosso alcance.
Querer enxergar o outro é o bastante.
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Regina Aparecida Duarte é Desembargadora do TRT 2ª Região. Doutora em Direito pela USP. Membro da APDT, ocupante da cadeira nº 24.
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